domingo, 3 de julho de 2016

P.L. 4.330/2004 - Uma analise Pelo Professor Doutor Luiz Felizardo Barroso



(O IMPACTO POSITIVO (OU NEGATIVO) QUE A LEI ORIUNDA DO P.L. 4.330/2004 (QUE REGULA O INSTITUTO JURÍDICO DA TERCEIRIZAÇÃO) TERÁ SOBRE AS ATIVIDADES EMPRESARIAIS DOS CONTACT CENTERS: TELEMARKETING, RECUPERAÇÃO DE ATIVOS FINANCEIROS E SAC).
Os Novos Paradigmas

O Direito no Brasil está se transformando. Até bem pouco tempo seus profissionais eram conhecidos, apenas, como “doutores da lei”, hoje, porém, a sociedade mudou, passou a exigir deles não apenas o domínio dos diplomas legais, mas, também, a capacidade de debater uma pauta política, propondo soluções para o aperfeiçoamento das instituições e da ordem jurídica de um modo geral.
Com este mesmo espírito é que, neste breve ensaio, analisaremos o Projeto cuja futura lei regulará a TERCEIRIZAÇÃO, instituto jurídico que viceja em um universo bem maior: o do trabalho em rede de cooperação empresarial, onde cada empresa, como uma célula, realiza, por força da TERCEIRIZAÇÃO, em razão de sua especialização, seu trabalho insubstituível e indispensável a um determinado projeto, capitaneado pela tomadora dos serviços terceirizados, a qual se encarregará de juntar todas as peças do quebra cabeças, fabricadas pelas diversas empresas terceirizadas, dando forma definitiva ao projeto por ela estrategicamente idealizado, o qual será entregue, aos consumidores, atendendo aos imperativos do mercado.
Como exemplo bastante expressivo desta cooperação em rede podemos citar a empresa líder do mercado de smartphones, a qual hoje realiza apenas as etapas de design e desenvolvimento do produto. Quanto à fabricação dos insumos, como: as telas; câmeras; os chassis; dispositivos de memória; a tecnologia de fingerprint; a tecnologia e os sensores touch, bem como o painel de exibição são todos terceirizados. Além disso, as diversas etapas de montagem, manufatura e distribuição dos aparelhos são igualmente terceirizadas.
Já as empresas líderes no mercado de aeronaves realizam diretamente sua montagem. No entanto, contam com um total de 5.400 (cinco mil e quatrocentos) fornecedores, ao redor do mundo, os quais lhes fornecem produtos, tais como: a asa, ponta e suporte da asa, motores, rodas de pouso, estabilizador horizontal, porta de entrada dos passageiros, fuselagem central e dianteira.
As grandes empresas fabricantes de automóveis também não ficam atrás. Elas hoje se limitam quase e tão somente a cuidar das etapas de montagem do produto. Não é sem razão, pois, que são conhecidas apenas como montadoras. Tanto assim que há, mundo afora, um mercado diferenciado dos melhores fornecedores de cada etapa do projeto, como: estrutura elétrica e eletrônica; volante; sistemas de áudio e transmissão; motor; controle de clima, etc, etc, etc.
Quanto às empresas de Contact Centers que se dedicam, por exemplo, à recuperação de ativos financeiros de suas contratantes ou tomadoras dos serviços terceirizados, podem focar seus esforços, inteiramente no seu core business, não dispersando assim sua energia na atividade de cobrança, geralmente tão diversa da atividade-fim de seu negócio.
A firma terceirizada especializada possui mais experiência na escolha do perfil adequado dos profissionais que realizarão o serviço, maximizando, desta maneira, o resultado, e minimizando os problemas de reclamação dos clientes.
Possuindo um grande volume de carteira de cobrança, a firma terceirizada pode, utilizando-se de seu maior poder de barganha, negociar melhores valores com seus fornecedores, como, por exemplo, empresas de telefonia fixa e móvel, VOIP, agências de correio, gráfica etc. Como o contratante normalmente não consegue tais negociações, os custos de fazer a cobrança de seus clientes, por si próprio, acabam sendo maiores do que a participação que seria normalmente repassada ao terceirizado.
A firma terceirizada, utiliza-se de tecnologia e know how específicos, como gravação de todas as negociações: relatórios de acompanhamento e produtividade dos operadores pelo sistema específico; scripts de negociação cuidadosamente elaborados; URA ativa (dialer automático); envio de SMS; monitoramento das ligações; possibilidade de emissão de boletos diretamente pela Internet, enfim, comodidades que permitem maior conforto ao cliente, ora inadimplente e maior segurança ao contratante, principalmente nos dias de hoje, quando os consumidores insatisfeitos socorrem-se imediatamente do poder judiciário.



TODA NOVIDADE ENCONTRA RESISTÊNCIA
É sempre imprescindível estarmos preparados para enfrentar os medos que toda novidade traz consigo. Será necessária, pois uma boa dose de ousadia, a poder de atitudes coerentes e programadas, à medida que métodos e procedimentos sejam substituídos por outros, ditados pela razão e pelo conhecimento.
Infelizmente, porém, o desafio de influenciar hábitos e comportamentos vai além da mera transmissão de dados e apelos à racionalidade; mesmo assim é bom, que não desanimemos; pois um dia chegaremos lá.
REGULAR A TERCEIRIZAÇÃO É INDISPENSÁVEL E BOM PARA O BRASIL
A terceirização é estratégica para o nosso país. Com ela permite- se a obtenção de ganhos de produtividade, especialização e eficiência por meio da divisão de tarefas e produção através de empresas especializadas, seja quanto às atividades empresariais meio, ou mesmo atividades-fim, proibidas, hoje estas últimas, porém, por mera decisão pretoriana. (SUMULA 331 do Tribunal Superior do Trabalho), a qual, afinal, deverá ser ultrapassada.
Sem problemas, pois o dilema da diferenciação entre atividade- meio e atividade-fim, no mundo moderno deixou de existir e o projeto de lei n° 4.330, de 2004, em tramitação no Congresso Nacional, disto conscientizou-se, permitindo a terceirização de uma e outra, à exceção das de cunho estratégico, subentendidas a juízo e critério da empresa contratante tomadora dos serviços.
As empresas, em verdade, há muito defendem o fim desta dicotomia. O que elas almejam, afinal, é a segurança na escolha do que irão terceirizar; desejando tudo fazê-lo e o projeto de lei em tramitação no Congresso, assim o permite; exceção feita às atividades estratégicas, as quais as empresas sempre manterão para si, por motivos óbvios, como, aliás, sempre o fizeram. O que as preocupa mesmo é a insegurança jurídica a que estão hoje sujeitas e, em especial, a possibilidade de encararem enormes passivos trabalhistas. Isto realmente as apavora; com toda razão, e só quem vivenciou esta situação consegue bem avaliar suas reais consequências.
Ademais, a prática produtiva empresarial moderna sempre buscará a descentralização e a agilidade nos negócios, por serem de sua própria essência, mas não a qualquer preço.
O PANORAMA JURÍDICO VIGENTE
Embora seja um fato consumado, sempre existirão dúvidas a respeito da juridicidade e mesmo da licitude de proibir-se a contratação desta ou daquela atividade por meio de súmulas, ainda que de Tribunais Superiores e não por intermédio de uma lei, como manda a Constituição Federal, que, a propósito, assegura a liberdade de contratação desta ou daquela atividade, nos termos da legislação vigente, com as exceções contempladas legalmente, as quais regulam específica e diretamente certas e determinadas profissões.
Enfim, o que sempre se questionou foi a validade da Súmula 331 do TST, que proíbe a contratação de terceiros para o exercício de atividade-fim, permitindo-o, tão somente, com respeito às atividades-meio.
A TERCEIRIZAÇÃO E O PROJETO DE LEI N° 4.330/2004
Destaque-se que o objetivo primacial do P.L. 4.330, foi o de regular uma situação que vivia à mingua de uma proteção legal.
Efetivamente, convenhamos que viver sob a égide de uma Súmula interpretativa do TST – ainda que sendo utilizada – mal ou bem – a contento, não é a melhor solução do ponto de vista da segurança jurídica.
O que garantiria que o Plenário do próprio TST não viesse a rever, em um futuro próximo, essa interpretação, prejudicando tanto as empresas tomadoras de serviços, como as terceirizadas e seus respectivos funcionários?
O Supremo Tribunal Federal estuda, no momento, pronunciar-se a respeito da Súmula do TST, como prova de que tudo pode mudar de uma hora para outra.
Afinal de contas, segundo o princípio da legalidade, todo indivíduo é livre para fazer tudo o que a lei não proíba. Contrariamente, ao Poder Público, só lhe é permitido fazer o que a lei determina.

ORIGEM DO CONCEITO DE TERCEIRIZAÇÃO
Não é sem razão, pois que a tarefa de administrar – sempre repleta de conteúdo humano e social – exige que se flexibilizem conceitos, procedimentos e comportamentos.
No âmbito das relações empresariais o costume de contratar serviços de terceiros é antigo. Nova é só a palavra terceirização, assim como a vontade e a intensidade com que o fenômeno vem se ampliando.
Aliás, o contrato de trabalho ou de emprego (elo fundamental do Direito Trabalhista), nasceu do antigo Contrato de Prestação de Serviços, previsto no Código Civil; recorda o Dr. Armando José Farah, ao prefaciar a obra de Jeronimo Souto Leiria, intitulada TERCEIRIZAÇÃO (Ed. Ortiz – 2ª Ed. 1952).
É que o fenômeno das transformações perenes das relações sociais e jurídicas não acontecem em ritmo vertiginoso, como ocorre na tecnologia, mas de modo gradual, embora incessante.
O PROJETO DE LEI 4.330/2004 E SEUS REFLEXOS
Dormitando na Câmara dos Deputados por onze anos, o projeto de lei n° 4.330/2004, que legalizará a TERCEIRIZAÇÃO no Brasil, foi, afinal, desarquivado, em 2015.
O projeto em causa caracteriza-se por três grandes objetivos: (1) Segurança Jurídica (a relação obrigacional é hoje de mera construção pretoriana – Súmula n° 331, do Tribunal Superior do Trabalho); (2) Proteção ao Trabalhador; trazendo a tomadora dos serviços à cena das responsabilidades trabalhistas, ainda que subsidiariamente, porém de modo solidário; (3) Modernização das Relações de Trabalho, objetivando alcançar maior produtividade, eficiência e especialização.
Paralelamente a estes objetivos meritórios, o projeto em tela possui diversos pontos positivos, a saber: (1) assegurar a terceirização plena; outrora só deferida para as atividades-meio; (2) proporcionar dupla garantia ao trabalhador, equiparando-os aos empregados da tomadora; (3) solidariedade (se encarada como ilícita a terceirização, substituiria a solidariedade, hoje inexistente; (4) ampliação dos direitos trabalhistas; (5) zelo pelas condições de segurança, higiene e saúde.
Nada obstante, o projeto apresentaria alguns pontos negativos os quais preferimos chamar de restritivos, ou de meramente condicionantes; por exemplo: (1) o Projeto não alcança a administração direta. Afastado o fantasma da corrupção, a terceirização apresentar-se-ia como uma alternativa promissora de recuperação da eficácia organizacional do Estado. Todavia, não vingou; (2) impossibilidade de o empregado da terceirizada ser utilizado em atividades diversas, para as quais tenha a firma terceirizada sido contratada.
Já os aspectos negativos a seguir são mais da terceirização em si mesma do que do projeto de lei: (1) aumento da dependência de terceiros; (2) má administração do processo; (3) má escolha dos parceiros; (4) relação com sindicatos diversos; (5) custo das demissões; (6) falta de parâmetros de preços nas contratações iniciais; (7) mudança na estrutura do poder; (8) aumento do risco a ser administrado.
Voltando ao projeto propriamente dito, haverá um aumento razoável da estrutura administrativa da empresa tomadora dos serviços da terceirizada, pois terá que montar um departamento especializado para controle de todas suas obrigações e encargos fiscais, aos quais estará sujeita subsidiariamente, se aprovado o projeto.
Se a empregadora terceirizada não quitar, pois seus débitos para com seus empregados – desde que a firma tomadora contratante tenha participado da demanda – ela arcará com tais valores, cabendo-lhe, tão somente, o direito de regresso.
OS DETRATORES DO PROJETO
Com todas estas medidas acima elencadas, objetivando no fundo a garantia dos trabalhadores, ainda há o exemplo de profissionais do direito, como o Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA), quem classificou o atual projeto como “uma bomba armada contra os direitos dos trabalhadores”. Certamente deve ele estar querendo deixar as coisas como estão ou as piorar, ainda mais, sacrificando as já sofridas pequenas e médias empresas brasileiras, as quais proporcionam o maior contingente de mão-de-obra do país, inclusive a do primeiro emprego, como sói acontecer com as empresas de Contact Center.
O Exmo. Sr. Presidente da ANAMATRA deveria refletir sobre as sábias palavras de Abraham Lincoln quando este afirmou, há mais de duzentos anos atrás que “não ajudarás os assalariados, se arruinares aqueles que os pagam”.
Seja como for, compreendemos bem a postura e a visão distorcida do Presidente da ANAMATRA, cuja cultura é a da Justiça do Trabalhador, como deveria ser chamada a Justiça do Trabalho no Brasil, da qual é um alto servidor.

A TUTELA DOS DIREITOS TRABALHISTAS
Como se pode ver, o que o PL teve foi justamente o intuito de impedir restrições aos direitos trabalhistas, ao coibir, por exemplo, que o prestador de serviços seja pessoa jurídica: a) cujo sócio ou titular seja administrador ou equiparado da tomadora do serviço; b) cujos titulares ou sócios guardem, cumulativamente, com a tomadora, relação de pessoalidade, subordinação ou habitualidade; c) seus titulares que, nos últimos 24 meses tinham prestado serviços à tomadora, na qualidade de empregado, ou não, ainda que os titulares ou sócios sejam aposentados.
OS IMPACTOS POSITIVOS OU NEGATIVOS SOBRE AS ATIVIDADES DE CONTAC CENTER
Ao longo deste ensaio já nos referimos aos diversos impactos que o PL em causa exercerá por sobre as atividades dos contact centers, como terceirizadas que são.
Estes impactos devem ser vistos agora, porém, mais especificamente, por dois diferentes prismas, a saber: o da tomadora dos competentes e respectivos serviços e o da terceirizadora, prestadora destes mesmos serviços.
O QUE MUDA PARA A TOMADORA DOS SERVIÇOS TERCEIRIZADOS:
a) obrigação de a tomadora dos serviços de fiscalizar se a Prestadora destes mesmos Serviços dos está seus cumprindo com as obrigações trabalhistas e previdenciárias dos seus empregados; exigindo-lhe comprovantes de pagamento dos salários, férias, vale transporte, vale refeição e todas as outras verbas inerentes à relação empregatícia; b) necessidade de a tomadora dos serviços comunicar à prestadora e ao Sindicato profissional da classe do trabalhador a ocorrência de acidente profissional, quando a vítima for trabalhador diretamente implicado no trabalho que estiver sendo executado; c) conscientização da solidariedade de sua responsabilidade, em relação à empresa terceirizada quando esta ainda que de modo subsidiário; não cumprir com suas obrigações trabalhistas; d) faculdade de reter o pagamento da fatura mensal da prestadora dos serviços, em valor proporcional ao não pago pela terceirizada, aos seus funcionários, até que a situação se normalize. “Observação: ponto polêmico que deverá sofrer restrição no Senado”.
A PRESTADORA DOS SERVIÇOS
Há mais pontos positivos do que negativos para as prestadoras de serviços, embora tenham estas que apresentar no contrato uma espécie de contragarantia representada por caução em dinheiro; seguro garantia, ou fiança bancária à tomadora do serviço, a qual será liberada mediante a comprovação da quitação das obrigações trabalhistas e previdenciárias relativas aos empregados que tenham participado dos serviços contratados (artigos 5º, inciso VI, § 2°, itens I, II e III e 10° do PL).
CONCLUSÃO
Com tantos encargos atribuídos, por via de transferência (subsidiariedade) da pessoa do terceirizado para a tomadora dos serviços é justo esperar que as empresas tomadoras de serviços terceirizados façam suas contas para saber o que lhes custaria menos terceirizar, sobretudo as atividades-meio, ou exercê-las diretamente, elas próprias?
Se bem que, como vimos neste breve ensaio, a terceirização não é só levada na devida consideração sob seus aspectos econômico-financeiros, mas segundo o velho adágio popular “tiem toi a ton sujet”, ou, no bom português brasileiro, “cada macaco no seu galho”.
É que, terceirizando, sobretudo, suas atividades-meio, as empresas tomadoras podem dedicar todos os seus esforços e toda a sua expertise no seu core business; levando-se, ainda em consideração, o que vimos no início, quando citamos a fabricação de smartphones, aviões e automóveis, bem como as atividades dos contact centers, oportunidade em que a especialização leva à excelência.
Quanto aos detratores da terceirização e de seu projeto, infelizmente a terceirização terá que ser feita a despeito deles, os quais “ficaram falando sozinhos enquanto a caravana irá passando”, porque o desafio de se influenciar hábitos e comportamentos, infelizmente, como dissemos no início, vai muito além da mera transmissão de conhecimentos e apelo à razão, como estamos procurando fazer neste breve ensaio, debatendo uma pauta político-jurídica, sem a pretensão de havê-la esgotado.


* Autor: Prof. Luiz Felizardo Barroso, advogado e professor doutor em Direito Empresarial, Ph.D; membro do Fórum Permanente de Direito Empresarial da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro e da Academia Fluminense de Letras Presidente da COBRART – Gestão de Ativos e Participações Ltda. Conselheiro do IBPDICC – Instituto Brasileiro de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação em Crédito e Cobrança.



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