A história do indiano Kunal Bahl poderia ter sido mais um exemplo do “sonho americano”. Com quase 20 anos, o emigrante deixou a sua cidade natal, Nova Deli, para estudar Engenharia na Universidade da Pensilvânia e fazer um MBA na escola de negócios Wharton, ou seja, em duas das mais prestigiadas dos Estados Unidos. A solidez do currículo levou-o para a Microsoft, onde o engenheiro se dedicava ao desenvolvimento de negócios em mercados emergentes. Bahl seguia uma carreira de sucesso quando foi surpreendido por um duro golpe: em 2007, o seu visto de trabalho expirou e ele não conseguiu a renovação. Sem qualquer garantia de conquistar uma permissão permanente — o chamado green card —, Bahl foi obrigado a regressar à Índia. Tal como muitos estrangeiros e qualificados que estudaram nos Estados Unidos, o sonho americano do engenheiro acabou por ser interrompido na mesa dos burocratas da emigração do país.
Os Estados Unidos sempre foram um país aberto a estrangeiros. No final do século xix, 12 milhões de emigrantes desembarcaram na “terra da oportunidade”. Foi essa mão-de-obra que ajudou a impulsionar a industrialização americana e fomentou o surgimento de inúmeros negócios. Esse ambiente de prosperidade perdurou durante décadas. Mas, desde os ataques terroristas de 11 de Setembro, os Estados Unidos têm endurecido as regras para o trabalho de estrangeiros. “Um erro descomunal”, como tem afirmado Vivek Wadhwa, professor da Universidade de Duke e um dos mais entusiasmados defensores da teoria segundo a qual os Estados Unidos, para sair da crise, deveriam facilitar, e não dificultar, a entrada e a permanência de estrangeiros altamente qualificados no país. Wadhwa é juiz em causa própria, dado que é um emigrante indiano, formado em Ciências da Computação, pela Universidade de Camberra, na Austrália, e radicado nos Estados Unidos desde a década de 80. Trabalhou em empresas como a Xerox — na altura, uma das mais inovadoras do país — e fundou duas empresas de software antes de se tornar professor e consultor. As suas ideias são discutidas no livro The Immigrant Exodus, que foi considerado pela revista The Economist o melhor de 2012. O timing não poderia ser mais oportuno, dado que Obama já anunciou a disposição de mudar a lei. “Alguns líderes políticos esforçam-se por manter os melhores talentos do mundo fora dos Estados Unidos, acreditando que os emigrantes qualificados roubam trabalho aos americanos”, defende. “Mas na verdade sucede exactamente o contrário. Os emigrantes criam empregos.”

Bahl, do Snapdeal: ele regressou à Índia e fundou o maior site de comércio electrónico
Uma parte da explicação para o problema levantado pelo livro de Wadhwa está nas dificuldades crescentes para os estrangeiros se radicarem nos Estados Unidos. Um estudo do Instituto Brookings demonstra que o número de vistos H-1B concedidos em 2011 foi 20% menor do que há dez anos, embora o número de pedidos tenha crescido 17%. Durante a última década, o governo americano reduziu o limite de emissão de novos vistos desse tipo de 195 mil para apenas 85 mil por ano. Outro problema está na burocracia: obter um green card por razões de trabalho pode demorar mais de uma década. Nos Estados Unidos, o limite de emissão de novos vistos de residência nessa categoria é de 140 mil por ano. Na Austrália, que tem um décimo da população americana, são 126 mil por ano. Outros países como Canadá e Singapura não têm limites. Pelo contrário, lançam anúncios para o recrutamento de estrangeiros altamente qualificados no exterior.
A história de Bahl, porém, teve um final feliz, e irónico. De volta à Índia, Bahl analisou os modelos de negócio vencedores da internet e decidiu lançar, em 2010, o site de compras colectivas Snapdeal, uma espécie de Groupon indiano. O sucesso do negócio foi estrondoso. Em três anos, o site já é considerado o líder do comércio electrónico do país, com 18 milhões de utilizadores. A cada dia, 25 mil produtos são vendidos através do portal e distribuídos em 4 mil localidades. A ironia é que o único emprego protegido pela emigração americana — a vaga de Bahl na Microsoft — transformou-se em 1500 postos criados pela Snapdeal na Índia.
Vários estudos, a mesma conclusão
Em tempos de crise e de desemprego elevado, é natural que os emigrantes sejam encarados como uma ameaça para o emprego dos locais. Os estudos apresentados no livro de Wadhwa provam que isso até pode ocorrer nos postos menos qualificados e com menores salários. Mas no caso dos emigrantes qualificados o impacto no mercado de trabalho é claramente positivo. Um outro estudo conduzido pelo professor William Kerr, da Universidade Harvard, teve o mesmo desfecho. A equipa concluiu que os emigrantes qualificados não provocaram nenhum impacto no nível de emprego de cientistas ou engenheiros nascidos nos Estados Unidos. Pelo contrário, o estudo prova que eles tiveram um papel importante no nível da inovação gerada no país. Segundo Kerr, um aumento de 10% na concessão de vistos do tipo H-1B — permissões temporárias para trabalhadores com licenciatura — resulta no crescimento de 1% no número de invenções patenteadas.
Os estudos de Wadhwa, por seu turno, demonstram que por cada 100 estrangeiros licenciados nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia ou matemática, 262 empregos são criados. No Vale do Silício — berço de gigantes como a Apple e a Google —, 44% das empresas fundadas desde 2006 tinham pelo menos um estrangeiro como sócio. O que preocupa os académicos é que essa percentagem está a cair todos os anos.
Obama vai alterar a lei da emigração
Bahl, do Snapdeal: ele regressou à Índia e fundou o maior site de comércio electrónico
Enquanto estão no limbo entre a permissão temporária e a permanente, os emigrantes preferem não arriscar. Não estabelecem raízes, não compram imóveis, não começam negócios próprios. Políticos com peso no cenário político americano como Michael Bloomberg, governador de Nova Iorque, têm erguido a sua voz em defesa da mudança da lei. “Não há solução mais rápida e barata para a retoma da economia do que atrair emigrantes qualificados para o país.” Obama já confirmou que anunciará, em breve, um plano de reforma do sistema de emigração de modo a que 11 milhões de trabalhadores ilegais possam obter a cidadania. A reforma também beneficiará os estrangeiros qualificados, facilitando a sua permanência no país. O tema, recorde-se, fez parte da campanha eleitoral do Presidente. “O nosso sistema diz para os melhores estudarem aqui. Mas depois manda-os embora e eles abrem empresas noutros lugares. Não podemos dar-nos ao luxo de afastar essas mentes brilhantes”, disse na altura. Em breve saberemos se ainda não esqueceu dessas palavras.
The Immigrant Exodus
Editora Wharton Press, 106 páginas
Autor Vivek Wadhwa
A minha pesquisa feita em 2007 dizia que havia 1 milhão de emigrantes qualificados à espera do green card. Na altura dizia que se não mudassemos a lei de emigração eles iriam embora. Hoje, eles foram mesmo embora.